Sopa de pastinaca

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Nada como a sopa para combater o frio que cai nos dias. Esta sopa, com pastinaca e queijo curado dos Alpes é uma boa surpresa. É quente e suave, é doce e forte. Gostei especialmente do contraste entre o sabor forte do queijo e a doçura e suavidade da pastinaca.

Tudo ao mesmo tempo na panela de pressão: uma pastinaca grande, 1 batata, uma cebola, a parte branca do alho francês e uma mão cheia de arroz. Depois de cozido, triturar, temperar com sal e pimenta e, no prato, polvilhar com o queijo ralado, salsa picado e um fio de azeite.

Olha que Portugal não é a Grécia

Estava num dia não. Cansada de um longo dia de trabalho, esperava o eléctrico atrasado. Não fosse a barriga de 7 meses, a fome e aquela chuva miudinha irritante, faria a colina a pé. E ainda tinha que passar pelo supermercado, pois tinha hoje uma convidada para jantar e nada preparado. Subiu o 28 apinhado e alguém prontamente lhe ofereceu um lugar para se sentar. Fechou os olhos e começou a pensar o que haveria de fazer para o jantar. Nada lhe ocorria. Mas sabia de antemão que não se conteria e confrontaria a sua convidada com uma sua receita que experimentou e ficou aquém do esperado. A paragem do supermercado passou e ela não se apeou. “Que se lixe”, pensou. Alguma coisa hei-de ter no frigorífico.

Em casa, reinava o caos. Brinquedos espalhados, roupa para dobrar (já há muito que tinha desistido de engomar) e frigorífico vazio. Aliás, este caos fazia parte da alma da casa. Muitas vezes, dizia ao seu marido, jocosa, “é no meu deste caos que vive o nosso Amor”. Sorriam e abraçavam-se, sentindo a vida a pulsar neles. E ele rematava, “as casas são para se viver, não para se arrumar!”. Já se sentia melhor.

Na cozinha, o frigorífico vazio e a loiça acumulada ainda do almoço deixaram-na a pensar que a única alternativa para o jantar era ir ao “Franganotas”. Decidiu fazer um arroz de grelos. Prontamente, fritou um alho em azeite e colocou arroz carolino, uma mão cheia por adulto, meia por criança. Envolveu o arroz no azeite e juntou água. Quando ia juntar os grelos, reparou que não os tinha. Então juntou uma couve verde frisada e mandou vir os frangos de churrasco. Fez uma salada de alface, tomate e cebola, temperada com azeite, sal e oregãos. 

Toca a campainha, chegam os convidados. A sua convidada chega com o marido e filhos e rapidamente se põem à vontade. As crianças brincam juntas enquanto os adultos conversam animadamente. A dada altura, ela diz-lhe, “Gostei muito do teu livro sobre Portugal. Belíssimas imagens e receitas que fazem parte do meu imaginário infantil. Mas olha que experimentei a tua receita de pastéis de nata e não me saiu nada bem!”, “E o que estavas à espera quando uma Grega a cozinha especialidades Portuguesas???” Todos riram e, à sobremesa, ela disse a Tessa Kyros: “Então experimenta agora este pastéis de nata”, passando-lhe um prato com queijadinhas de leite (cuja receita vai chegar no próximo post).

Bolo salgado com cenoura e sua rama

Esta foto aguçou-me o apetite. Não a tinha na lista do supermercado, mas trouxe um belo ramalhete de cenouras para casa, com o intuito de usar a sua rama. A minha mãe costuma fazer pataniscas com a rama, mas desta vez tive vontade de um bolo salgado e fui buscar a receita às three fat ladies. Bati muito bem três ovos com 1 dL de óleo e 100 gr. de iogurte natural. Juntei a rama de cenoura bem picadinha e 4 cenouras raladas à massa. Temperei com sal, pimenta e uma colher de sopa de caril. Acrescentei 180 gr farinha (e uma pitada de fermento) em chuva e envolvi suavemente. E por fim, cortei uma bola de queijo mozarella – porque não tinha feta – em cubinhos e juntei à massa. Em forma de bolo inglês forrada com papel vegetal, coloquei a massa. Levei a forno aquecido a 180 graus durante 50 minutos. Come-se bem quente e frio, mas come-se melhor morno, para sentir o queijo derretido envolvido na massa.

Mas continuei com o ramalhete da cenoura na cabeça e hoje fiz arroz malandro com rama. Fritei arroz de bago redondo em alho e azeite e juntei água numa razão 3:1. A meio da cozedura, juntei a rama da cenoura picada. Muito bom.

Gosto muito do sabor forte da rama da cenoura e, de acordo com o que se lê por essa internet fora, parece que a rama é nutricionalmente mais rica que a cenoura. E ideias para pôr o ramalhete no tacho não me faltam. Talvez da próxima experimente num arroz de feijão.

Arroz de cabidela – quase – vegetariano

Falou-me a minha mãe um dia que há quem faça arroz de cabidela sem sangue e usando farinha de alfarroba para conferir a típica cor deste prato. Gostei da ideia, resolvi experimentar tentando retratar o arroz de cabidela da minha avó e gostei do resultado. Pus a ferver caldo de frango que tinha feito com os ossos da ave e alguns bagos de pimenta, uns quantos cravinhos e umas folhas de louro. Alourei meia cebola em azeite e juntei arroz de bago redondo, envolvendo bem na cebola e no azeite. Entretanto, numa tacinha, juntei uma colher de sopa de farinha de alfarroba com 2 colheres de sopa de vinagre e 2 cravinhos. Voltei para o arroz e fui juntando o caldo fervente enquanto aquele o bebia. Cozinhei o arroz durante cerca de 1o minutos, juntei a mistura de alfarroba e vinagre e um molhinho de “cheiro verde” picado. Deixei fervilhar mais uns minutos e apaguei o lume. O arroz ficou com bastante caldo, tendo eu cozinhado este prato numa razão de 1 medida de arroz para 4 de caldo. Levei à mesa e sublinho que esta versão de cabidela – que não é vegetariana mas que bem poderia ser – não fica nada aquém da versão mais violenta do prato com a galinha esquartejada e seu sangue.

À grega

Há uns tempos, uma amiga grega falou-me de uma receita (de família) de tomates recheados, enquanto me contava as estórias de terror que o povo grego hoje vive. Séculos antes de Cristo, quando os povos bárbaros andavam de chacina em chacina, sedentos de sangue, os gregos revolucionaram o modo de pensamento humano no mundo ocidental. A Grécia antiga foi o berço da civilização ocidental e hoje, o sistema capitalista que se impõe na Europa, não faz mais que renegar as suas origens.

Quando vi a receita da Fer de tomates recheados lembrei-me da receita da minha amiga e tentei improvisar.  Cortei tampas a cinco tomates, escavei-os com uma colher e reservei o seu interior. Pu-los em forno aquecido a 180 graus temperados por dentro com sal, azeite e manjericão picado. Triturei o recheio do tomate com um dente de alho e mais manjericão e, com este molho, cozinhei uma chávena de arroz, deixando-o ficar bem al dente. Piquei um cebolo e misturei com o arroz. Retirei os tomates do forno meia hora depois e recheei com o arroz e com quadradinhos de queijo, que eu queria que fosse feta, mas não foi porque não tinha. Com o arroz que sobrou. preenchi os espaços vazios da travessa que levou os tomates. Foi mais 15 minutos ao forno, até dourar. Foi uma refeição bem reconfortante. Mas neste momento de crise, precisamos de um pouco mais do que reconforto.

“food that celebrates life”

Para mim, qualquer motivo é um bom motivo para celebrar a vida. Mas quando há uma razão especial, a celebração adquire outro sabor. Especialmente se a ocasião for festejada com um belo petisco.

E hoje tenho uma, duas, três razões para celebrar o aniversário um, dois, três das Three (maybe not so) Fat Ladies. Conheci o blog através do Ardeu a Padaria e fui imediatamente cativada pelas pitadas de humor com que as Three Fat Ladies temperam as suas receitas.

Andei às voltas a pensar o que haveria de fazer e nada me ocorria. Tentei fazer um exercício mental, concentrando-me nas Three Fat Ladies e deixando sublimar o que gostariam as senhoras, à luz da construção da sua imagem que o meu subconsciente fez. Vi um pão-refeição, com bacon, cebola e alecrim, mas rejeitei. Vi um bolo merengado, mas levei-o para o desafio dos Ms. E rejeitei à partida saladas e sopas. Nao sei porquê, mas não me pareceu o melhor para festejar o aniversário das três senhoras roliças. Um truque do inconsciente, concerteza. Queria algo exótico e facilmente poderia ter construído uma sopa ou salada com este adjectivo. Mas às sopas e saladas faltava uma certa substância de presença obrigatória nesta celebração. A dúvida manteve-se, até que me lembrei de ter pedido ao meu marido para escolher uma receita de um livro que tinha acabado de chegar à caixa de correio. Era “Food that celebrates life”, da Nigella Lawson, e o título não poderia estar mais apropriado à ocasião.

E é com um “Saké steak”, versão adaptada,  que brindo a este terceiro aniversário das três senhoras redondinhas.


Saí do trabalho com a lista de ingredientes na agenda em direcção ao infantário, mas passando pelo supermercado primeiro. Para fugir a uma aventura radical na zona dos doces. Trouxe 3 bifes de vaca altos (c. 1,5 cm), coentros e cardamomo. Fiz uma marinada com uma colher de chá de mostarda de dijon em grão, 2 colheres de sopa de molho worcestershire, 1 c.s. de molho de soja, 1 c.s. de azeite e uma malagueta. Deixei os bifes a marinar por uma ou duas horas e, entretanto, fui  para a sala, onde a minha filha construía castelos, torres e estórias com a sua caixinha de fantasia e de legos. Viajámos por florestas em mundos distantes, visitámos princesas e regressámos a casa, directas à cozinha.

Comecei a fazer o arroz selvagem que acompanharia os bifes. Perguntei à minha filha se ela me queria passar o arroz. Ela mergulhou no chão e começou a bracejar e espernear como se estivesse a nadar em alta competição, mas com o exercício de choro acrescentado. Tomei esta atitude como um não e segui as instruções da embalagem, acrescentando uma colher de café de cardamomo em pó à água do arroz.

Entretanto chegou o meu marido, que levou a nossa pequena sereia de volta aos seus mundos fantásticos construídos a legos e eu fechei a porta da cozinha, pois prezo a minha intimidade quando estou atrás do avental.

Tirei os bifes da marinada e fritei-os em azeite bem quente, três minutos de cada lado. Embrulhei os bifes em papel de alumínio e deixei descansar por 15 minutos. Assim os bifes cozinham no seu próprio calor, não perdendo sabor. O tempo inicial de fritura e de repouso varia conforme o nível de cocção que se deseja para os bifes. Estes ficaram bem passados. Quem preferir bifes rosados por dentro, deverá diminuir os tempos de fritura e repouso, tendo sempre em conta a altura do bife.

Agora era hora de fazer o molho, cujo primeiro ingrediente seriam 60mL de saké. Não tinha, então pus um cálice de grappa numa panelinha pequena ao lume. E enquanto o alcool evaporava, eu é que comecei a sentir-me levitar para outros mundos, mas concerteza bem diferentes dos mundos por onde a minha filha e o meu marido andavam a esta hora. Já a cantarolar e na verdadeira “mood” para a celebração, apaguei o lume e juntei à grappa 1 c.s. de molho de soja, 3 gotas de molho de peixe nam pla, 1 colher de chá de molho worcestershire e mais uma colher de chá da mostarda em grão. Juntei a este molho os sucos que se formaram durante o repouso da carne no papel de alumínio e mexi. Pus os bifes num tabuleiro, reguei com este molho e salpiquei com os coentros picados.  Fui à mesa ainda enebriada com a grappa, e confesso que, neste caos de cheiros, sabores e grappa que me enebriaram os sentidos durante estes cozinhados à porta fechada, foram os coentros que sobressaíram e deram uma nota fresca e bastante positiva à mistura de sabores e tons que compuseram este prato. O meu marido, que mantinha o seu olfacto e paladar intactos, aprovou a combinação. A minha filha aprovou o bife simples temperado com alho e limão que lhe fiz e contou-me o seu dia em mundos que eu já não sabia existirem e numa linguagem que eu ainda desconheço.

Risotto al nero di… di… de quê?

Quando estivémos em Veneza há uns anos atrás, no tempo em que as calças de ganga ainda me serviam, comemos um risotto com tinta de choco supremo, divinal. Em Portugal, delicio-me com os chocos grelhados com tinta, temperados com alho e é com grande prazer que deixo a tinta negra do choco promiscuir os meus dedos, boca, lábios, língua e dentes. Na verdade, até ver e provar o risotto nero, nunca tinha pensado noutras maneiras de consumir a tinta daquele animal marinho a não ser à bela moda portuguesa. E fiquei a pensar que bom que seria encontrar por aqui os chocos com tinta, apesar de não ter depositado grande esperança no assunto. Até ao dia em que descobri que a tinta se vende separada e embalada! Então o risotto al nero di seppia entrou na minha “top 10 to cook list”.

Hoje ao almoço tive vontade de risotto, então fui ver o que tinha no armário e que podia combinar com o arroz arbóreo. O leitor que atentou na imagem não se deixou levar pela minha conversa inicial e já percebeu que o que eu tirei do armário não foi tinta de choco separada e embalada. E até pode ter reparado nas pequenas bolinhas negras que compõem o risotto e que são, nada menos, lentilhas beluga. Comecei por lavar 125gr de risotto e uma mão cheia de lentilhas negras. Reservei. Cortei uma cebola e dois dentes de alho e fritei levemente em azeite. Juntei o arroz e as lentilhas ao azeite e pensei em risotto al nero di sepia quando vi o negro das belugas contaminar o arroz. Entretanto, noutra panela já fervia água com um talo de bróculos cortado às fatias para o caldo de legumes. Envolvi bem o arroz no azeite e juntei uma colher de concha do caldo fervente, mexendo sempre. Repeti o processo durante 15 minutos, que era o tempo indicado na embalagem do arroz. Provei e ainda estava duro. Depois fiz algo de haveria de fazer desmaiar de desespero o chef de cozinha mais resistente, juntei um copo de água fria, embrulhei com panos e jornal e deixei acabar de cozinhar no seu próprio calor. O leitor experiente na cozinha já deve estar a arrancar cabelos com tantas derrapagens que só podem ser perdoadas pela tamanha ingenuidade desta cozinheira (no fogão e noutros sítios da vida). Lavar risotto como se fosse outro arroz???? Juntar água fria como a outro arroz???? A verdade é que nunca vi estes dois processos numa receita de risotto, mas a outra verdade é que este risotto al nero di beluga foi aprovado pelos ingénuos paladares desta cozinheira e sua filha, que não se convenceu com os bróculos e cenouras cozidas que acompanhariam o risotto, e que dizia “rôxxzz, maix, mamã.”

o corpo e a alma

Sera que as coisas teem alma? Um poeta disse que sim, que basta acorda-la. Mas outro poeta disse que se pode perder a alma, quer se seja coisa animada ou inanimada, basta ter um passo no corpo mais rapido que o da alma. Eu concordo com os dois poetas, mas digo tambem que a nossa alma nao esta so em nos, temos tambem um bocadinho da nossa alma nos que amamos, na nossa terra, na casa a que chamamos casa. E ha bocadinhos da nossa alma que vao acordando, outros adormecendo, despertados pelas sensacoes de que os nossos sentidos sao portadores, como o cheiro da terra molhada, o sabor da laranja acabada de apanhar, sentir o sol quente na pele… podia continuar a divagar ate chegar a ao arroz de marisco com muitos coentros, que sabe mesmo a casa. Que foi o que eu tentei fazer, versao arroz de bacalhau fresco, usando a tecnica milenar que o povo algarvio usa e que passou da minha avo para a minha mae e para mim. Cortei duas cebolas aos cubinhos, um dente de alho, uma folha de louro e fritei em azeite importado directamente do Algarve. Quando a cebola comecou a guinchar, juntei uma lata de tomate inteiro pelado, mexi, juntei um copo de vinho branco, mexi e tapei. Deixei o calor do fogo brando exercer a sua funcao durante 10 minutos. Voltei a mexer e juntei as postas de bacalhau fresco e flor de sal de olhao. 10 minutos depois, retirei e reservei o peixe. Juntei o arroz (usei risotto pois mantem-se firme por mais tempo) e fui acrescentando agua a ferver conforme o arroz a ia pedindo. Ate o arroz ja estar cozido. Entretanto ja tinha picado um molho de coentros e descascado mais um dente de alho. Primeiro foi o peixe que voltou para a panela, depois os coentros e acrescentei ainda um dente de alho picado e um gole do resto do tal azeite. Mexi tudo muito bem e os cheiros que emanaram da panela e a visao do verde-coentro e vermelho-tomate teletransportaram-me a casa por instantes. Com os pes 2 palmos acima do chao, a panela levou-me a mesa, brindamos, comemos e deliciamo-nos. Mas nao sabe ao mesmo, mesmo que seja o mesmo que se come na tasca do ze, ou em casa, mas em casa, na casa-terra, tem outro sabor. Falta algo, e os especialistas podem divagar sobre as diferencas de temperatura, pressao, sobre as diferencas entre fogoes que explicam o sabor diferente que a mesma receita pode ter qdo cozinhada em sitios diferentes, mas a mim nao me enganam. O que acontece e que nao se pode transportar a alma das coisas animadas ou inanimadas assim, sem mais nem menos.