Sopas

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Mentalizo o próximo post e dou por mim a “falar do tempo”. Recuo, mas não consigo evitar o pensamento fatídico: “Será mau sinal? Quando já só se fala do tempo…”. Mas recuso o sinal e entrego-me às sopas. 

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Penso em sopa e salivo. Esta é a fase em que estou. Vou arrastando o resto da família comigo. As princesinhas do Reino comem-na, sôfregas, diminuindo até ao limite, espaço e tempo entre colheres. A minha sogra comeu e não comentou – isto porque nem conseguiu proferir palavra perante tal maravilha culinária que saíu da minha panela de pressão! O meu marido juntou sal, pimenta, provou, mais sal e, respondendo à minha pergunta, disse “muito bom”. Eu não sei quantas vezes voltei à panela de pressão, mas nesse serão fiz da sopa entrada, sopa, prato principal e sobremesa.

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 E como fiz a sopa: demolhei cerca de 150 gr. de grão durante o dia e cozi-o sobre pressão. Cortei 2 batatas, uma cebola, 4 ou 5 cenouras e a parte branca de um alho francês em cubos ou tiras e atirei tudo para a panela de pressão. Juntei o caldo e reservei o grão. Sal e azeite. Entretanto, num tachinho, cozi espinafres e massinhas de letras. Quando a panela deu os devidos apitos, triturei tudo a preceito e juntei os espinafres e massinhas. 

Mas há outra “summer queen” no reino das sopas da prússia. Com uma base parecida à anterior, mas sem grão e com 2 tomates no puré, e com feijão verde em vez de espinafres. E muita hortelã no fim, a temperar.

Assim se fez o mês de Agosto, não só com sopas, mas também com muito mar do Norte, muito sol, vento e cabelos a voar. E com a inevitável pergunta dos prussianos a quem vem do outro extremo da Europa: “Então, isto é melhor que o Algarve?” E eu dou a vaga resposta “Não é possível comparar”. E como poderei eu comparar a solidão das praias do Norte com o barulho das praias de Agosto no Sul. As dunas do Norte com as minhas falésias ou a areia prateada com a areia dourada. Mas tenho que aqui afirmar que as gaivotas do norte são mais atrevidas. Se eu deixar, vão-se com o bico ao meu farnel. 

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(*Meatless Monday*) Enquanto há espargos, há primavera

Não vale a pena relembrar que este ano a Primavera chegou atrasada. E os espargos seguiram o seu exemplo. Mas mais vale tarde do que nunca e, nas últimas semanas, celebramos os espargos no seu apogeu. Brancos ou verdes, grelhados ou cozidos, com azeite e vinagre ou com bacon, são inúmeras as formas como eles nos chegam à mesa. Mas hoje é Meatless Monday, por isso reservo a receita de espargos com bacon para outra oportunidade. Quando descasco os espargos, reservo as cascas para fazer sopa.

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E esta sopa não poderia ser mais fácil: Deixei as cascas cozerem em água e sal, retirei as cascas e juntei aletria. Quando esta cozeu, esfarelei uma gema de ovo cozido e juntei salsa picada.

Sopa de pastinaca

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Nada como a sopa para combater o frio que cai nos dias. Esta sopa, com pastinaca e queijo curado dos Alpes é uma boa surpresa. É quente e suave, é doce e forte. Gostei especialmente do contraste entre o sabor forte do queijo e a doçura e suavidade da pastinaca.

Tudo ao mesmo tempo na panela de pressão: uma pastinaca grande, 1 batata, uma cebola, a parte branca do alho francês e uma mão cheia de arroz. Depois de cozido, triturar, temperar com sal e pimenta e, no prato, polvilhar com o queijo ralado, salsa picado e um fio de azeite.

Sopa de espinafres e batata doce

Não podia deixar em branco a última sopa que fiz: uma batata doce, 3 cenouras, uma cebola e um talo de alho francês, tudo cortado em pequenos troços, cozinhado e triturado. Num tachinho à parte, cozinhei uma mão cheia de espinafres picados e outra mão de massas letrinhas, que juntei aos legumes triturados. Até a minha filha comeu! (bom, só três colheres… de sobremesa… )

três finisterras, três estórias, três pratos

Preâmbulo

É tempo de festa: comemora-se o aniversário de um blogue muito especial, genuíno e muito bem cuidado. Falo do Figo Lampo, um espaço com belíssimos textos, imagens extremamente apelativas e receitas deliciosas. Aqui, entro sem bater a porta quando quero matar saudades da minha terra e tenho o sorriso luminoso da dona deste blogue a receber-me. Para a Margarida, mando um grande beijinho de parabéns pela tripla comemoração que o mês de Julho lhe oferece. O seu filho faz três meses, a Margarida faz 33 e o Figo Lampo faz três anos. Assim, tal como dizem as regras do desafio,  numa ode ao três, conto três estórias de três mulheres do mar, que viveram em três séculos diferentes e em três terras com o mesmo nome.

I. Cabo de Finisterre, Galiza, 12 de Abril de 1999 (Entrada)

Era primavera e Marina estava apaixonada. Tinha agora 30 anos e passado por duas relações infrutíferas. Mas fora agora, à terceira, que Marina encontrara o amor da sua vida. Soubera-o quando pousara os seus olhos cinzentos, como cinza, nos olhos verdes dele. O verde límpido do seu olhar e a sua pele de seda que tanto a encantaram não pertenciam a um príncipe encantado de armadura reluzente e cavalo branco, mas a um homem vivido, cicatrizado, viajado pelo mundo, que tinha já olhado a morte de frente e amado tantas outras mulheres. “Meu cabalero herrumbroso…”, dizia-lhe ela num misto de provocação e amor. Ele, sentia-se como um menino perto dela. Os joelhos tremiam-lhe, as mãos suavam e o coração queria saltar-lhe pela boca. Aquele Abril brindou-os com temperaturas excepcionais para a época. Ela acordava a meio da manhã, punha o seu biquini vermelho, comprado a pensar nele, e ia para a praia. Passava no corpo óleo de cheiros tropicais e sonhava que eram as mãos dele que torneavam todo o seu corpo delgado. Quando o sol ía a pique, regressava a casa e preparava-se para o seu turno de trabalho. À noite, dirigia-se ao paredão que separava a terra do mar e telefonava ao seu “cabalero”. “Estou a ouvir o barulho do mar, ou da estrada?”, perguntava-lhe ele, sabendo já a resposta, só para lhe responder: “ah, o mar… queria mergulhar agora no teu mar”. Deixavam-se ficar num silêncio que tudo dizia sobre a tripla amor, saudade e dor. “Encontramo-nos esta noite no cais, para  cerveja, tapas e beijinhos”, dizia-lhe ela. Dirigia-se a casa, adormecia com a maresia nos seus cabelos de ondas de mar e dirigia os seus sonhos para o cais onde a esperava o seu amor. Hoje, vivem numa casa com o mar à frente e as montanhas atrás, que tem uma macieira, uma laranjeira e uma cerejeira no quintal e tem as gargalhadas e correrias das suas três crianças.

II. Finistère, Bretagne, 3 de Dezembro de 1899 (Sopa)

Anamar tinha 99 anos. Era a mais velha da sua aldeia. Vivia numa mansão enrugada, isolada, a combinar com a sua pele e a sua alma. Esta mansão vira já várias gerações de sua família nascerem e morrerem. Perdera o pai aos 6 anos, e com ele fora-se também a sua mãe e a sua infância, entregue a uma mulher que aparecera para tomar conta de Anamar. A madrasta de todas as estórias para crianças que a sua mãe lhe contava antes de adormecer. Anamar era a cozinheira, criada e o divã de psicólogo desta mulher. Um dia, ao regressarem a casa depois de um dia de labuta no mercado, a mulher disse a Anamar com azedume: “Prepara-te para o castigo da tua vida”. O coração de Anamar encolhera, as pernas tremeram-lhe, o sangue fugiu-lhe. E ela queria também fugir. O trajecto para casa, nunca fora tão curto, nunca fora tão longo. Queria que os passos que dava para a frente, a encaminhassem para trás, que o tique do relógio passasse a dar-se na direcção contrária. Queria que o mar fosse até ela e a engolisse. Queria fugir. Mas para onde? Não tinha família, não tinha amigos. Ao entrarem em casa, Anamar pensou que ia morrer naquela noite. Pensou que poderia morrer e não poderia gritar por ninguém, naquela mansão isolada que tantos gritos aprisionara nas suas paredes. A mulher rasgou-lhe as roupas do corpo, agarrou-lhe o braço esquerdo com a sua mão esquerda e, com uma colher de pau, começou a espancar Anamar. A colher chocou contra o seu corpo de criança, uma, duas, três vezes. Anamar chorava de medo, de dor. Chamava pela sua mãe, sabendo inúteis os seus gritos. A partir da terceira pancada, Anamar deixou o seu corpo e observou de longe aquela mulher cheia de raiva a despejar no seu corpo frágil todo o seu amargor. Não sabe quanto mais apanhou, quanto tempo durou, como acabou. Nessa noite, foi a mulher que fez o jantar. Atirou três batatas, três cenouras e uma mão cheia de ervilhas para a panela e fez uma sopa. Sem sal, sem gordura, sem amor. Anamar tentou engolir a sopa entre os soluços compulsivos mas mal conseguia segurar na colher. Adormeceu a soluçar e nunca mais conseguiu comer ervilhas na sua vida. Passaram-se anos, Anamar fez-se adulta e a mulher desapareceu. Voltou um dia, quando a velhice lhe bateu à porta, pedindo caridade a Anamar. Anamar não conseguiu articular palavra. Ao virar as costas, a mulher disse-lhe: “Tu fizeste-me sofrer muito! Ainda fazes!”. A porta fechou-se, como se tivesse vida própria. Anamar estava sem reacção. Hoje ainda recorda aquele episódio com dor. Deitada no seu leito, deixa o último suspiro sair de si em direcção ao Mar.

III. Land’s End, Cornwall, 24 de Julho de 2033 (Prato principal)

Ondine era daquelas mulheres especiais. De corpo frágil, dificilmente se conseguia equilibrar ao andar, mas era exímia nadadora. Refugiava-se nas praias e falésias desta sua Finisterra, para fugir aos outros habitantes da aldeia e com quem nunca se identificou. No seu refúgio, cantava para si, para os peixes e para afugentar os seus medos. A sua voz poderosa e sedutora, ecoava em toda a aldeia. Corria a lenda que Ondine era sereia, vinda do mar para encantar os mortais com o seu canto. Quando ia para casa, rezava para não se cruzar com ninguém no caminho. Já sabia que ia ouvir das vizinhas um falsa piedade. “Ó filha, estás tão magrinha. Tens que comer mais. Vem à minha casa, tenho um peixinho que estufei em tomate e cebola”. Já sabia que não se ia conter, que lhes ia responder: “Go f&ck yourself, suas bisbilhoteiras!”. Não conseguia comer peixe, eram os peixes os seus melhores amigos. Naquele entardecer, saíu à rua e dirigiu-se à falésia como em tantos outros dias fazia. E pensou que há já tanto tempo não mergulhava no mar, não nadava até à linha do horizonte. Avançou mais três passos. Estava naquele ponto de quase-equilibrio, no fio da navalha. Ouviu o mar chamar. Vem, a mim… Amy… a mim… Observou o céu pintado de vermelho e laranja e pensou que o vento comandaria agora o seu destino. Faltavam-lhe tres para chegar aos trinta. Um sopro fê-la mergulhar num mergulho eterno no seu mar. Hoje, volvidos mais de 20 anos, os habitantes da sua aldeia continuam a ouvir a sua voz encantada.

Os restos e o moral da estória

E há outros dias assim. Em que o apetite fugiu para um outro lugar. Não o meu, pois as minhas calças de ganga fazem-me lembrar activa e constantemente da sua presença. Refiro-me ao apetite da minha filhota, que normalmente come o peixe cozido com legumes com voracidade. Ou que se delicia primeiro com o queijo ou o fiambre, depois lambe a manteiga da fatia de pão e, finalmente, decide comer o pão. Desta vez o cenário foi diferente: ao lanche, pão e migalhas ficaram esquecidos no prato, o queijo levou uma dentadinha e foi rejeitado e o fiambre foi simplesmente ignorado; ao jantar, o prato foi tocado para dar uma trinca numa cenoura, que de imediato foi rejeitada, o peixe foi esquecido e a couve-flor ignorada.

E eu ignorei o cenário, indo para a cozinha mas levando comigo os pratos de comida rejeitados, esquecidos e ignorados. Tirei um caldo de peixe do frigorífico (quando fazemos peixe, ponho sempre as peles, espinhas e cabeca a cozer com algumas ervas aromáticas durante uma hora para sugar os aromas do animal marinho até ao tutano), juntei ao peixe e legumes ignorados um resto de risotto de grão esquecido de outros dias e levei ao lume. Peguei no pão desprezado e em algumas côdeas esquecidas na caixa do pão, cortei em cubinhos de 1 cm e levei ao forno a 175 graus. Fui à horta apanhar um raminho de salsa, desliguei o lume, apaguei o forno, piquei a salsa, dei um toque com a varinha mágica à sopa, pus no prato, dispus a salsa, um fio de azeite e o pão transformado em micro tostas  e todos nos deliciamos! A pequerrucha mostrou então que o seu apetite voltou, ou voltou a mostrar-me a dura realidade: muitas vezes não é só o conteúdo que interessa, mas a maneira como se apresenta. Eu resolvi ignorar esta lição de vida e preferi acreditar simplesmente que o todo é mais que a soma das partes.

Laranja e calças de ganga

É verdade que o ser humano sempre se tem questionado sobre o seu mundo envolvente e eu não sou diferente. Estes dias tenho-me questionado sobre estranhos factos, aparentemente sem ligação entre si e que tenho vindo a observar. Intrigada, resolvi partilhar as minhas interrogações com a minha amiga Angela, alentejana de gema, alma e coração:

– Oh Angela, não sei o que se passa, se será da água ou do ar prussiano, ou até mesmo quem sabe do vulcão da islândia, mas parece-me que as minhas calças de ganga adquiriram vida própria… estao a ficar cada vez mais pequenas.

A Angela, com a calma e tranquilidade que caracteriza o seu povo,  ouvia-me pacientemente e eu continuei:

– pois, e este não e o unico fenómeno estranho… a balança lá de casa, que funciona tão bem com o meu marido e a minha filha, sempre que é a minha vez, até lhe salta o ponteiro…

A Angela, munida da sabedoria alentejana, explicou-me então que nao era o ar nem a água, e muito menos o vulcão que estavam por detras destes dois mistérios. E disse-me até que a solução para parar com estes dois fenómenos era comum e está em qualquer despensa da cozinha do comum mortal. Pois bem, a solução seria pensar bem a que horas tiro da prateleira a massa, as batatas e o arroz.  Entao explicou-me:

– Sofia, o que tu tens a fazer é favorecer o consumo de hidratos de carbono durante o dia e favorecer o consumo de proteinas animais durante a refeição da noite.

A solução parecia-me fácil, então resolvi pô-la em prática. Mantenho os meus rituais habituais, seguindo a máxima “one apple a day keeps the doctor away”, e é assim, com maçã e müsli que abro o dia. Ao almoço dou à massa, batatas e arroz o papel principal, não pondo em causa o papel da salada, que está lá sempre. Ao jantar, entao a fama pertence à carne, peixe e ovos, acompanhados por legumes ou salada. Devo confessar que eu como por “desejos” e que a minha carne é mesmo fraca quando se trata de recusar um belo doce ou um pacote de batatas fritas (e também tenho que confessar que já abri uma ou outra excepção a esta máxima …).

Esta minha nova experiência começou há uns dias com uma sopa de legumes ou, mais especificamente, uma sopa de fruta e legumes. Uma laranja juntou-se a uma pêra e a uma maçã, 3 cenouras juntaram-se a uma cebola, a dois dentes de alho e a meio alho francês. Foram todos para a panela de pressão e sairam de lá triturados directamente para o prato. Por cima, um fio de azeite e um raminho de tomilho fresco. Para fechar a refeição, queijos de vários tipos.

E para encetar a minha participação no desafio culinário “cozinhar com… laranja” do blog delícias e talentos , apresento esta receita de sopa de frutas e legumes!