Uma mensagem de parabéns

Querida Moira,

É verdade que tenho andado um pouco afastada da blogosfera e em modo “atitude passiva”. Mas o aniversário do Tertúlia em boa hora me fez arrancar do “sofá” da passividade e abraçar este desafio. Que iria participar não tinha dúvidas, mas confesso que eu própria me rodeei de obstáculos imaginários. Um deles, foi o bem conhecido argumento “Não sei enrolar tortas.” Mas os obstáculos servem para ser contornados ou ultrapassados, então foi com prazer que este serão, depois das pequenotas irem para a cama, me dirigi ao forno para fazer uma torta.

Já tinha tudo preparado. Receita estudada e ingredientes a postos. Coincidindo a data com uma meatless monday, faria uma torta vegetariana, salgada, inspirada numa receita de um livro vegetariano. Nada poderia falhar.  Há anos que marquei esta receita e, ao pensar que finalmente a conseguiria por em prática, senti um certo prazer. Abro o livro na bancada na página indicada, giro 180º sob mim própria, vou ao meu caderno de receitas, e abro na página: “Torta de laranja da Avó”. Não sei o que me fez fazer isto, mas acho que tal como tudo o que tem que acontecer, acontece, também o que tem que não acontecer, não acontecerá. Ficam assim, a receita e sua marca, presas entre as folhas de um livro vegetariano espanhol por mais uma outra eternidade.

Comecei por ligar o forno a 150º e forrei uma forma redonda, porque não tenho nenhuma rectangular pequena, com papel vegetal. A receita original pedia 8 ovos, mas tendo apenas cinco, escalei a receita usando o olhómetro, De 450 de açúcar (integral) pus apenas 200, de 2 colheres de sopa de farinha, pus apenas 1 e meia e pus o sumo e raspa de uma laranja, tal como pedia a receita original. Bati os ovos, adicionei o açúcar misturado com a farinha e continuei a bater e, finalmente, juntei o sumo e raspa da laranja. Levei ao forno durante cerca de 20 minutos. Depois, estendi um pano húmido na bancada, retirei a massa da forma, mantendo o papel vegetal, e pu-la por cima do pano, calcei as luvas-pega do forno e comecei a enrolar. Desta vez sem partir. Afinal, não foi assim tão difícil.

Querida Moira, espero que gostes desta torta. Eu adorei participar. Confesso que já sentia saudades de um desafio.  Ao Tertúlia e a ti, um grande beijinho de parabéns pelo sexto aniversário. O Tertúlia, foi um dos primeiros food blogs que conheci. O primeiro foi o Ardeu a Padaria em 2004 e depois o teu e o da Pipoka.  🙂

Um grande beijinho vindo do frio da Prússia.

PS1: reparo agora que já houve várias participações com tortas de laranja. Agora mais uma! ;). PS2: os 200 gr de açúcar podem ser ainda mais reduzidos. A torta ficou tão doce que me fez pensar que os 450 gr que a receita original dita não são mais que o erro tipográfico.

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Laranja com oregãos

Para mim, laranjas são para comer ao natural. Mas as que chegam aqui à Prússia já vêm secas e sem doce, por isso comê-las ao natural não é opção. Hoje, cortei uma aos quadradinhos e juntei à salada de valerianella. Fiz um vinagrete com azeite, vinagre balsâmico branco, flor de sal, oregãos e uma colher de chá de mel. Laranja com oregãos combina mesmo bem.

 

Bolo de laranja e amêndoa

Para comemorar o meu aniversário que já lá vai, pensei num bolo de dois andares, talvez um bolo de claras como este da Leonor, mas recheado com romã. Depois decidi que haveria era de fazer um bolo de alfazema e mascarpone. Partilhei com o meu marido esta minha decisão e ele questionou-a, argumentando que a alfazema tinha um sabor muito forte. Eu lembrei-lhe que era o meu aniversário e, assim sendo, a chef era eu. E ele aceitou, mas aconselhou-me a fazer um bolo pequeno, se queria fazê-lo mesmo, lembrando-me que a minha sogra nos tinha mandado uma tarte maravilhosa, a Linzertorte, e que poderíamos usá-la como bolo de aniversário. Voltei a lembrar-lhe quem era a chef do dia mas, ao pôr o avental, agi com parcimónia e pus de lado o bolo de alfazema.

Não tendo romãs em casa, questionei-me qual seria o bolo que calha sempre bem, é fácil de fazer e cujos ingredientes estão no meu armário. Ao olhar a paisagem branca que a janela me oferece, respondi à charada com o bolo de laranja da Avó. Segui as instruções quase à risca, fazendo uma “pequena” alteração: substituí a totalidade da farinha pela mesma quantidade de amêndoa moída. Forrei uma forma circular de 18cm com papel vegetal, que se revelou pequena demais, pondo o resto da massa numa outra de 20 cm. Foram ao forno conforme as indicações e foi com prazer que vi o meu bolo crescer! Mas este prazer revelou-se efémero, seguido da desilusão de ver o bolo cair, formando um vale na sua forma. Pensei que estava tudo perdido e lá teria eu que acender a minha vela na Linzertorte, entretanto já esfaqueada sem parcimónia. Mas se está perdido por cem também o estará por valores mais altos, o que me levou a fazer um creme de mascarpone, inspirada na neve que cobria o chão. Bati 250 g de marcarpone com 3 colheres de açúcar e sumo e raspa de uma laranja, usando a vara de arames. Retirei o bolo  maior da forma e coloquei-o no prato de servir, o que não foi tarefa fácil, pois o bolo agarrou-se ao papel e partiu-se nas bordas que, devido à falta de farinha, ficaram estaladiças, quase a lembrar uma Pavlova. Barrei o creme por cima do bolo e de lado, tentando disfarças as bordas quebradas. Coloquei o bolo mais pequeno por cima, barrando agora só nos lados porque já não havia mais recheio. Sem esperança, pus o bolo no frigorífico e contei ao meu marido as minhas desventuras na cozinha, que logo me explicou o erro em não usar farinha.

No dia seguinte, depois do jantar, fui buscar o bolo e pus uma pequena vela vermelha que acendi sem qualquer esperança na qualidade do bolo. Ao apagá-la, desejei-nos mais um ano de amor eterno, entrelaçando olhares transbordantes de esperança com a minha família. Cortei o bolo, provámos e, não sei se foi a alquimia do amor ou se algum duende da Lapónia veio ao meu frigorífico durante a noite, mas a verdade é que o bolo ficou delicioso, fofo e húmido – a provar, mais uma vez, que uma receita da Avó nunca falha! 😉

o processo no castelo

A burocracia prussiana é, no mínimo, kafkiana. Sempre que com ela me confronto, não posso deixar de pensar em Kafka e em como fui injusta em julgar a sua condição mental, não conhecendo os meandros desta complicada senhora do Leste. Todo o processo parece ter saído do processo de Kafka e, quando se pensa que já se preencheram todos os formulários e todos os campos, aparece mais um que não existia. À entrada do “castelo”  onde o processo lentamente se digere, o aviso é claro: depois de aqui entrar, para sair é preciso contar com a ajuda de uma entidade mística. Portas escondem escadas, existem meios andares, que ficam algures entre o primeiro e o segundo andar e – a cereja em cima deste bolo que evito sempre trincar – os gabinetes muitas vezes não estão ordenados sequencialmente. Quem vai a procura da porta 123, encontra a porta 122, talvez encontre a 124, mas no lugar da 123 há… uma parede! Quando finalmente se encontra o gabinete e se acerta na irregular hora de atendimento, vem a grande confrontação com o burocrata propriamente dito e, tal como Kafka nao queria sair do seu quarto, parece que o burocrata não quer sair do seu escritorio desde 1989. E este sim, precisaria de uma metamorfose. Óculos fundos e embaciados, roupas sépia, papéis do chão ao tecto compõem o burocrata e seu escritório.

Num dia cinzento e de chuva miudinha, vi-me confrontada com a impossibilidade de fugir a um processo burocrata. Depois de três horas a percorrer corredores infinitos e preencher formulários intermináveis, cheguei a casa a precisar de algo que me confortasse o corpo e a alma, algo facilmente digerível. Trouxe o Sol a casa com uma sobremesa fresca de laranja e bela luísa, adaptação de uma receita do pingo doce. Levei 2.5 dL de leite a ferver com uma casca de laranja e um ramo de bela luísa. Deitei num pequeno tacho, 50 g de açúcar, 30 g de maisena e 70 g de amêndoa moída. Misturei e juntei 3 gemas, continuando a mexer. Retirei a casca da laranja e o ramo de bela luísa do leite fervido e deitei lentamente em fio sobre a mistura anterior, sem parar de mexer. Levei o pequeno tacho a lume brando e mexi continuamente até engrossar. Retirei do lume quando atingiu a consistência de creme. Entretanto, bati as 3 claras em castelo com mais 50 g de açúcar (que adicionei quando as claras ficaram brancas) e espremi uma laranja. Juntei o sumo ao creme, mexi e envolvi esta mistura nas claras. Pus numa taça de servir, polvilhei com mais amêndoa moída e levei ao frio. Ao provar, não consegui conter-me na primeira tacinha e repeti, esquecendo o frio lá fora e o pó de lá dentro da casa do burocrata.


ps: a receita original não inclui bela luísa, mas alegro’me em ter arriscado, pois tornou-se um elemento essencial pela frescura que confere.

A nova lei de Lavoisier

Uma destas tardes, saí mais cedo do trabalho e passei-a com a minha filha. Dei-lhe miminhos, demos risotas e cambalhotas e dei-lhe uma laranja. E ela fez uma careta. Provei a laranja e compreendi porquê. Era azeda, seca. Pensei que haveria de polvilhá-la com açúcar e canela. Mas, ao agir, já não pensei e o que fiz foi uma compota. Num tachinho, pus a laranja com os gomos cortados em três, uma clementina também rejeitada pelas mesmas razões e 3 colheres de sopa de açúcar. Juntei água até tapar a fruta e deixei em lume brando durante 45 minutos. Voltei e provei: o travo azedo dominou o açúcar e pensei que lá ia a compota para o lixo. Mas antes de agir, pensei que haveria de tentar salvar a situação com outros temperos. E já que não havia nada a perder, lancei-me sem medos à prateleira das especiarias. Precisava de um sabor forte, que dominasse esta laranja indomável no travo. Moí uma mistura de pimenta preta, branca e rosa e desfiz meia malagueta. Mexi, provei e gostei do resultado, mas faltava ainda um toque final e, sem precisar pensar, a minha mão tomou a acção e deitou no tacho uma colher de café de cardamomo moído. Combinação perfeita. Barrei em bolachas de água e sal, no pão de alfarroba, misturei com queijo fresco. E deliciei-me em todas as combinações.

No dia seguinte, o cenário da laranja repetiu-se, mas desta vez polvilhei-a com açúcar canela. Sem resultado. Enquanto meditava no que fazer à laranja, a minha filha passou à acção e começou a pôr-lhe a água do seu copo às colheres. Então lembrei-me deste bolo de clementinas da Pipoka, que já passou pela minha cozinha, e resolvi adaptá-lo. Peguei em parte da casca  da laranja, rejeitei a sua parte branca e perguntei à minha filha se queria fazer um bolo. Pus a laranja e sua casca num copo largo e alto, juntei um ovo e fui buscar a minha varinha mágica. Triturei até a mistura ficar homogénea. Numa taça, a minha filha pôs 10 colheres de sopa de farinha, 6 de açúcar, 75 g de amêndoa moída e uma colher de chá de fermento para bolos. Juntei a mistura de ovo e laranja aos ingredientes secos e um gole de óleo. Misturámos bem, pus numa tigela de barro de cerca de 20 cm de diâmetro e pus no forno aquecido a 150 graus. Retirei quando o palito saiu seco, cerca de 40 minutos depois. Deixei arrefecer e provei. Ficou um bolo consistente, muito saboroso e com um interior quase húmido, que desapareceu num ápice.

Esta laranja azeda transformada em compota e em bolo deixou-me a pensar que afinal a Lei de Lavoisier, no campo da culinária, precisa de uma revisão. É verdade que tudo se transforma e nada se perde. Mas no processo de transformação criam-se umas belas obras culinárias!