iscas à prussiana

Há uns tempos, no talho do mercado, inquiri de onde vinham os animais que ali se comercializavam. O Sr. Butcher disse-me, por trás do seu bigode grisalho e farfalhudo: “minha senhora, isto vem tudo da nossa quinta, que fica mesmo aqui na pradaria prussiana!”. e continuou, com as faces rosadas, sabe-se lá se do frio ou do tinto: ” e olhe que os nossos animais passeiam livremente pela pradaria e só comem os pastos!”. Eu continuei com mais algumas perguntas sobre como procediam à matança dos bichos, se aproveitavam todo o animal, etc. A esta última questão, ele mostrou uma certa admiração e disse: “sim, claro! é tudo aproveitado!”. A grande voga alimentar aqui da zona é comer regional e sazonal e, para aqueles que não conseguem converter-se ao vegetaranismo, aproveitar ao máximo o animal sacrificado. Tudo por uma questão ambiental e de saúde, e confesso que concordo com a filosofia. Eu prossegui e questionei: “e também comercializa fígado?”. O Sr. Butcher, com uma careta, deixou descair o bigode e pediu-me para repetir. Estando já habituada a ser uma incompreendida no meia da multidão prussiana, não estranhei e soletrei: “Fí-ga-do”, com a melhor pronúncia bárbara que pude atribuir ao meu pedido. Mantendo a sua expressão na face, o Sr. Butcher voltou a questionar: “Fígado??????”. Eu assenti. “Ah, isso só por encomenda… talvez…mas, fígado? tem a certeza? olhe que é difícil.” disse ele, ainda meio estupefacto. Eu voltei a assentir. “Então amanhã, se ainda tiver a certeza de que é mesmo isso que quer, ligue para este número e encomende.” Eu repliquei que estava certa e que queria fazer já a encomenda. Nesta altura, os outros clientes em espera começavam a olhar-me de soslaio e as suas faces transmitiam a mesma incredulidade do Sr. Butcher face ao meu pedido e firmeza em obtê-lo. Ele lá assentiu e assentou o meu pedido, nome e contacto. Duas semanas depois tinha um fígado inteiro de vitela na minha tábua de cozinha e dediquei-me então à confecção de iscas à portuguesa. Cortei metade do fígado em iscas e congelei a outra metade. Deixei as iscas em vinho branco, alho e pimenta durante três horitas. Pus azeite numa frigideira e adicionei duas cebolas fatiadas em meia-lua. Quando amoleceram, juntei as iscas e a marinada, tapei e deixei cozinhar em lume brando até que o fígado estivesse bem cozinhado. Cozi batatinhas, polvilhei com salsa picada e pimenta moída na hora e levei à mesa. Eu deliciei-me e por momentos senti-me numa tasquinha de uma qualquer esquina de Alfama, entre amigos e boa disposição, a saborear as iscas à portuguesa que as tasquinhas alfacinhas fazem como ninguém. Entranto, comecei a ouvir ao longe alguém a chamar por mim. Apercebo-me que é o meu marido a pedir-me que lhe passe o sal e saio do meu transe. De regresso à Prússia, o meu marido confessa-me: “Meu amor, sabes, eu acho que os fígados estão … bons … e gosto muito dos teus cozinhados… em geral … mas… bom, tenho que confessar, fígado não é a minha onda.” Confesso que não me admirei, e ele continuou: “mas da próxima vez, cozinho eu os fígados”. Naturalmente, assenti. Hoje, no brainstorming habitual para decidirmos o jantar, o meu marido propôs: “e se fizéssemos o fígado?”. Eu assenti, com uma surpresa, pois já nem sequer me lembrava do fígado hibernado no nosso congelador. Mas depressa o relembrei da condição que ele propôs! Então ele pôs as mãos no fígado, ou melhor, a faca, e fê-lo em iscas. Deixou em vinho branco por uma ou duas horitas. Bateu um ovo com sal, pimenta e ervas de provença. Passou as iscas por ovo e farinha e fritou-as em azeite. Levou à mesa uma travessa e dois garfos e disse: “hoje o jantar são petiscos”. A anteceder as iscas, fez uma salada à chef como só ele sabe fazer. O meu marido é o meu génio das saladas (bom, em muitas outras coisas é também o meu génio mas isso daria outro blogue). Cada salada que ele faz é única, diferente, maravilhosa, rica e todas têm um sabor de transceder aos céus. E as saladas dariam outro post, por isso, voltemos às iscas, para dizer que adorei e devorei, directamente da travessa. Mmmmm!…

truta no forno com puré de legumes e arroz de limão

Ontem o meu marido fez truta salmonada para o jantar. Temperou-a com alho, alecrim, sal e pimenta, embrulhou-a em papel de alumínio e pô-la no forno. Inicialmente, pensei em fazê-la  no forno e com os mesmos temperos, mas simplesmente com batatas e cenouras também no forno. Mas o meu marido disse que queria peixe cozido com arroz. Eu confesso que não me senti inspirada e que a visão de tal receita transportou-me para o mundo do terror na cozinha. Depois de 2 segundos de meditação, disse-lhe que se ele se sentisse inspirado para fazer algo especial, então a cozinha, o avental e o barrete de chef eram seus. Ele assentiu, mas na hora da verdade, disse que afinal ia fazer no forno. Eu suspirei, levemente aliviada, e disse rapidamente: então eu faço o acompanhamento! A verdade é que a estória do arroz fez-me lembrar um post que tinha lido no Figo Lampo já há algum tempo sobre um Arroz de Limão que me seduziu. Só com a receita em memória, comecei por aquecer um gole de azeite num tacho. Cortei três dentes de alhos às fatias, juntei algumas sementes de coentros e deixei-os saltitar no azeite. Juntei a raspa de um limão, mexi, e juntei um copo de arroz basmati. Pus dois copos de água a ferver e dei umas voltas ao arroz com a colher de pau. Quando a água ferveu, juntei-a ao arroz , juntei uns raminhos de tomilho do nosso jardim (ou melhor, do nosso vaso na varanda) e duas fatias do limão. Temperei com flôr de sal de Olhão e pimenta moída na altura. Afinal a receita saiu um pouco diferente da original, mas ficou um arroz mesmo bom. Para além do arroz, fiz um puré de legumes para fugir ao tradicional puré de batata e para trazer um pouco de cor ao prato. Porque a cromoterapia também se senta à mesa. Cozinhei batata, alho francês, alho e cebola, juntei um bocadinho de beterraba pela questão da cor, reduzi a puré e temperei com natas de soja, sal e pimenta. Ficou mesmo bom, este prato. Fá-lo-ia novamente sem alterar uma vírgula.

Carne de porco à alentejana

Ontem eu e o meu marido comemorámos o nosso jubileu e vou contar-vos aqui a iguaria culinária com que festejámos mais um ano de amor. A ideia do prato veio do meu marido e a receita do Pantagruel. Comecei por deixar as ameijoas em água com bastante sal para sair a areia. Fiz uma marinada com vinho branco, vinagre, alho, pimentao doce e louro, mas nao deixei marinar por um dia como o pantagruel aconselha, apenas por meia hora. Descasquei batatas, cortei-as aos cubinhos e pus num pirex. Reguei com azeite e foi ao forno a 180 graus por 40 min. Volta e meia dei umas voltas às batatas. Entretanto, fritei levemente a carne em azeite e juntei a marinada, deixando cozinhar por meia hora na panela de pressao, o que foi tempo a mais e produziu muito caldo. Juntei entao as ameijoas e, assim que estas abriram, retirei do lume. Juntei coentros frescos picados e as batatas e reguei com sumo de 1 limao. Mexi tudo e a panela foi para a mesa. Abrimos uma garrafa de proseco, brindamos e fizemos mutuos votos de mais 100 anos de felicidade. Pelo menos. Bom, 50 ou 60 já não era nada mau. Limpámos a panela, esvaziámos a garrafa, queimámos as velas até ao fim e viajamos nas nossas palavras, enlevados no aroma do amor. E para o amor nao ha receita, nao e??