O muffin que nunca o foi

Queria fazer um bolo de chocolate para uma festa de infantário. Já com tudo a postos para começar a preparar o bolo, fui buscar o chocolate para derreter. Chocolate? Prateleira vazia. Então. decidi fazer a receita milagrosa de muffins da Nigella. Liguei o forno a 180 graus. Bati 2 ovos com 125gr. de açúcar integral até obter uma espuma esbranquiçada enquanto derreti 125 gr. de manteiga. Juntei a 125 gr. de farinha, uma colher de chá de fermento e meia de bicarbonato de sódio. Tentei alternar a farinha com a manteiga na mistura de ingredientes, mas a minha filha juntou tudo de uma vez, dizendo, “Mamã, assim também pode ser!”. E foi. Adicionei um gole de leite. Fui buscar as forminhas de muffins, mas não as encontrei. A princesa, disse: “E porque é que não usas este papel cortado aos bocadinhos?”, apontando para o papel de forno. Eu disse à minha filha: “que boa ideia!, mas e que tal se fizéssemos um bolo com nectarinas?”. Assim, em vez de cortar o papel, cortei nectarinas e o papel forrou uma forma de 20 cm. As nectarinas ficaram em baixo e a massa por cima. Foi ao forno durante cerca de 25 minutos. Bendita a hora em que o chocolate evaporou a as forminhas voaram do meu armário. 

Advertisement

“Coisas soltas”

Imagem

A Primavera chegou. Apesar do cachecol ainda se enrolar no pescoço dos mais friorentos, o gelado já anda na mão. Gorros e luvas estão em hibernação até ao próximo Inverno. Fingers crossed!

Na cozinha, reina a normalidade. A minha filha pediu-me batatas fritas e eu acedi, na condição de fazê-las no forno. “Mas batatas fritas são sempre no forno, mãe!”, foi a sua resposta. Disse baixinho “não só mas também” e fui soberanamente ignorada – Felizmente. Para acompanhar, fiz-lhe ketchup, “Quécha”, como é conhecido aqui em casa. Juntei à polpa de tomate, algum açúcar e vinagre e deixei fervilhar. Ainda no reino das batatas, experimentei as perfect baked potatoes da Nigella, mas na minha cozinha, o adjectivo não vingou.

Aos fins de semana, as panquecas estão sempre presentes na mesa do pequeno almoço. É um belo entretém para as duas pequenotas. Enquanto uma princesa parte os ovos e junta o leite, a outra princesinha descobre o mundo encantado da farinha voadora e da massa na bancada. É uma risota sem fim. Só visto e não contado.

Continuando o capítulo da massa voadora, ando na senda “do” bolo mármore. O clássico da Maria de Lurdes Modesto não resultou comigo e, apesar de ser uma receita à prova de crianças, o que saiu do meu forno foi uma arma de arremesso às riscas. Também tentei a infalível receita do bolo de iogurte 1-2-3 com 2/3 de massa de baunilha e 1/3 de chocolate mas, desta experiência, saiu do meu forno um “pãozinho sem sal”.

São estes os apontamentos desta cozinha da Prússia, onde a Primavera, finalmente, floresce em todo o seu esplendor.

Omas Käsekuchen*

Imagem

“Ó mãe, hoje quero fazer um bolo contigo, pode ser?”, perguntou-me a minha filha ao pequeno almoço, “Claro, amor. Fazemos um bolo de chocolate ou o bolo de queijo da avó?”, “Omas Käsekuchen!”, respondeu o meu marido ainda antes de eu ter acabado a frase.

Imagem

Depois do almoço, chove neve lá fora e cá dentro, pai e bebé dormem a sesta. “Vamos fazer o bolo?”, perguntei e, como resposta, a minha filha encosta a sua cadeira à bancada da cozinha. Ponho 125 gr. de farinha numa taça. “Ó mãe, já posso provar?”, “Põe primeiro o ovo”, “Ó mãe, já posso provar?”, “Espera, com o açúcar sempre fica melhor”, e entrego-lhe 60 gr de açúcar. Misturo eu 100 gr de manteiga derretida à massa. “Tenho sede”. Viro-me de costas para bater três claras em castelo com 90 gr. de açúcar e misturo 300 gr. de queijo quark com sumo e raspa de meio limão 30 gr. de farinha maizena. Quando as claras ficaram em castelo, juntei-lhes as gemas uma a uma, mas baixando a velocidade da batedeira. Entretanto, misturei suavemente as claras com o quark. E a minha filha diz-me, baixinho: “Ó mãe, a mana esteve aqui e pôs água na massa…”. Nesta altura, desejei eu estar a dormir a sesta em vez da aventura do bolo. Relembrei a minha filha que a sua irmã estava a dormir a sesta no quarto e não acordada na sala e que a única entidade que pode estar em dois estados diferentes ao mesmo tempo é o gato de um senhor com nome complicado. Depois de esclarecido o mal entendido, disse-lhe que o problema se resolvia facilmente juntando mais farinha. Obtendo a consistência desejada, formei uma bola com as mãos e pu-la a arrefecer**. Em fria, estiquei-a com o rolo da massa e com ela forrei uma forma redonda de 26cm. Adicionei a massa do queijo e levei a forno quente a 150 graus por cerca de 45 minutos, tendo retirado o bolo do quentinho quando o teste do palito deu positivo.

Imagem

* O bolo de queijo da avó

** Caso tenha curiosidade nesta experiência, omita a parte da água e faça primeiro esta massa base, pois precisa refrigerar e, se o fizer no congelador, o tempo que demora a fazer a massa do queijo é suficiente para atingir a temperatura desejada da massa base.

Imagem

On hot chocolate

Imagem

Escrevo estas três linhas há três dias. Isto tudo por causa da neve. Quero fugir ao assunto do tempo mas desisto, não tenho escapatória. A neve cobre-me as palavras, o pensamento, cobre-me os passos e cobre a minha rua. Enfrento o bicho branco e gelado de frente, atirando-lhe com chocolate, quente, em forma de bolo. 

Imagem

Este é o bolo de chocolate que a Nigella sugere para o dia de S. Valentim, no seu “Feast”.  Ela fá-lo com recheio e cobertura, mas eu fi-lo simples e cortei 50 gr de açúcar. Liguei o forno nos 170 graus, liguei a batedeira na velocidade máxima para bater 3 ovos com 120 gr. de açúcar integral, liguei o bico do fogão para aquecer 150mL de leite com uma colher de sopa de manteiga. E liguei a balança eléctrica para pesar 175 gr. de farinha. Juntei à farinha três colheres de sopa de cacau e uma colher de chá de bicarbonato de sódio. Entretanto, a batedeira eléctrica já tinha produzido uma espuma de ovos e açúcar e eu juntei alternadamente o leite morno com a mistura dos secos. Misturei levemente até obter uma mistura homogénea e levei ao forno durante 20 minutos. A leveza do bolo é surpreendente e surpreendente é também o duplo sentido que adquire esta característica do bolo, pois a quantidade de gorduras e açúcar é bastante reduzida.

E – fugindo assunto – reparou, querido leitor, na quantidade de vezes que eu conjuguei o verbo “ligar” na descrição desta receita? E na frequência da palavra “eléctrica” nas poucas linhas que a compõem? As food for thought, tente, querido leitor, pensar como seria a (sua) vida se os interruptores deixassem de (lhe) trazer luz.  E tenha a simpatia de partilhar com o reino as suas ideias nesta caixa de comentários!

Três anos e a ode ao Outono

Lembro-me bem quando o reino da Prússia fez um ano: um mês antes estava já a magicar o que fazer para comemorar, e houve direito a desafio e tudo. No segundo ano, a celebração foi mais simples. E no terceiro ano… esqueci-me! Procuro a desculpa no mês de Outubro, que tem uma meia dúzia de comemorações cá em casa que começam no início do mês e que se vão estendendo, espraiando, chegando mesmo a tocar Novembro. Assim foi este ano e, no meio de tantas celebrações, houve direito a tantos e mais bolos. Mas para celebrar o terceiro aniversário do Reino da Prússia, escolhi um bolo de maçã que o Nigel Slater sugere no inspirador “Ripe”.

Isto porque, se tivesse eu que atribuir um embaixador ao Outono, entregaria o cargo e responsabilidade à maçã – aqui na Prússia, porque o meu representante português do Outono é outro. Mas foi aqui que provei a melhor maçã do mundo, e compreendi porque é que a serpente a escolheu!

Partilho agora convosco, queridos leitores, nesta celebração tardia, uma fatia deste bolo. Mas confesso; fui leviana e não segui a receita do mestre à letra. Queria, mas senti-me sufocar em colesterol nos 220 gr de manteiga. E depois o que eu queria mesmo era usar num bolo a marmelada de maçã que tinha feito  uns dias antes. E troquei a marmelade pela marmelada. E, mais, a mim, nem às doze badaladas do 31 de Dezembro me apanham com passas na mão! Mas eu deixo a receita original.

Ingredientes: 220gr. (180 gr) de manteiga, 210 gr. de açúcar, 4 ovos, 250 gr. de farinha integral, fermento, canela, 200 gr. de maçã descascada e descaroçada, 100 gr. passas ( que passei),  125 gr. de compota de laranja (marmelada de maçã), raspa de laranja (pus de limão) e açúcar para polvilhar.

Método: Aquecer o forno a 160 graus; barrar com manteiga uma forma circular de 20 cm de diâmetro e polvilhá-la com farinha; bater o açúcar com a manteiga até obter uma mistura leve e fofa; entretanto, bater os ovos levemente e reservar. Misturar a farinha com o fermento e a canela; cortar as maçãs em troços com menos de 1cm. Misturar as maçãs (com as passas), a marmelada e a raspa do limão. Juntar os ovos à mistura de açúcar e manteiga, intercalando com a farinha. Incorporar a fruta na massa e colocar a mistura na forma. Polvilhar com açúcar. Levar ao forno por uma hora e 15 minutos ou até o teste do palito ser positivo. Servi com um iogurte denso de baunilha.

Bolo de laranja e amêndoa

Para comemorar o meu aniversário que já lá vai, pensei num bolo de dois andares, talvez um bolo de claras como este da Leonor, mas recheado com romã. Depois decidi que haveria era de fazer um bolo de alfazema e mascarpone. Partilhei com o meu marido esta minha decisão e ele questionou-a, argumentando que a alfazema tinha um sabor muito forte. Eu lembrei-lhe que era o meu aniversário e, assim sendo, a chef era eu. E ele aceitou, mas aconselhou-me a fazer um bolo pequeno, se queria fazê-lo mesmo, lembrando-me que a minha sogra nos tinha mandado uma tarte maravilhosa, a Linzertorte, e que poderíamos usá-la como bolo de aniversário. Voltei a lembrar-lhe quem era a chef do dia mas, ao pôr o avental, agi com parcimónia e pus de lado o bolo de alfazema.

Não tendo romãs em casa, questionei-me qual seria o bolo que calha sempre bem, é fácil de fazer e cujos ingredientes estão no meu armário. Ao olhar a paisagem branca que a janela me oferece, respondi à charada com o bolo de laranja da Avó. Segui as instruções quase à risca, fazendo uma “pequena” alteração: substituí a totalidade da farinha pela mesma quantidade de amêndoa moída. Forrei uma forma circular de 18cm com papel vegetal, que se revelou pequena demais, pondo o resto da massa numa outra de 20 cm. Foram ao forno conforme as indicações e foi com prazer que vi o meu bolo crescer! Mas este prazer revelou-se efémero, seguido da desilusão de ver o bolo cair, formando um vale na sua forma. Pensei que estava tudo perdido e lá teria eu que acender a minha vela na Linzertorte, entretanto já esfaqueada sem parcimónia. Mas se está perdido por cem também o estará por valores mais altos, o que me levou a fazer um creme de mascarpone, inspirada na neve que cobria o chão. Bati 250 g de marcarpone com 3 colheres de açúcar e sumo e raspa de uma laranja, usando a vara de arames. Retirei o bolo  maior da forma e coloquei-o no prato de servir, o que não foi tarefa fácil, pois o bolo agarrou-se ao papel e partiu-se nas bordas que, devido à falta de farinha, ficaram estaladiças, quase a lembrar uma Pavlova. Barrei o creme por cima do bolo e de lado, tentando disfarças as bordas quebradas. Coloquei o bolo mais pequeno por cima, barrando agora só nos lados porque já não havia mais recheio. Sem esperança, pus o bolo no frigorífico e contei ao meu marido as minhas desventuras na cozinha, que logo me explicou o erro em não usar farinha.

No dia seguinte, depois do jantar, fui buscar o bolo e pus uma pequena vela vermelha que acendi sem qualquer esperança na qualidade do bolo. Ao apagá-la, desejei-nos mais um ano de amor eterno, entrelaçando olhares transbordantes de esperança com a minha família. Cortei o bolo, provámos e, não sei se foi a alquimia do amor ou se algum duende da Lapónia veio ao meu frigorífico durante a noite, mas a verdade é que o bolo ficou delicioso, fofo e húmido – a provar, mais uma vez, que uma receita da Avó nunca falha! 😉

A nova lei de Lavoisier

Uma destas tardes, saí mais cedo do trabalho e passei-a com a minha filha. Dei-lhe miminhos, demos risotas e cambalhotas e dei-lhe uma laranja. E ela fez uma careta. Provei a laranja e compreendi porquê. Era azeda, seca. Pensei que haveria de polvilhá-la com açúcar e canela. Mas, ao agir, já não pensei e o que fiz foi uma compota. Num tachinho, pus a laranja com os gomos cortados em três, uma clementina também rejeitada pelas mesmas razões e 3 colheres de sopa de açúcar. Juntei água até tapar a fruta e deixei em lume brando durante 45 minutos. Voltei e provei: o travo azedo dominou o açúcar e pensei que lá ia a compota para o lixo. Mas antes de agir, pensei que haveria de tentar salvar a situação com outros temperos. E já que não havia nada a perder, lancei-me sem medos à prateleira das especiarias. Precisava de um sabor forte, que dominasse esta laranja indomável no travo. Moí uma mistura de pimenta preta, branca e rosa e desfiz meia malagueta. Mexi, provei e gostei do resultado, mas faltava ainda um toque final e, sem precisar pensar, a minha mão tomou a acção e deitou no tacho uma colher de café de cardamomo moído. Combinação perfeita. Barrei em bolachas de água e sal, no pão de alfarroba, misturei com queijo fresco. E deliciei-me em todas as combinações.

No dia seguinte, o cenário da laranja repetiu-se, mas desta vez polvilhei-a com açúcar canela. Sem resultado. Enquanto meditava no que fazer à laranja, a minha filha passou à acção e começou a pôr-lhe a água do seu copo às colheres. Então lembrei-me deste bolo de clementinas da Pipoka, que já passou pela minha cozinha, e resolvi adaptá-lo. Peguei em parte da casca  da laranja, rejeitei a sua parte branca e perguntei à minha filha se queria fazer um bolo. Pus a laranja e sua casca num copo largo e alto, juntei um ovo e fui buscar a minha varinha mágica. Triturei até a mistura ficar homogénea. Numa taça, a minha filha pôs 10 colheres de sopa de farinha, 6 de açúcar, 75 g de amêndoa moída e uma colher de chá de fermento para bolos. Juntei a mistura de ovo e laranja aos ingredientes secos e um gole de óleo. Misturámos bem, pus numa tigela de barro de cerca de 20 cm de diâmetro e pus no forno aquecido a 150 graus. Retirei quando o palito saiu seco, cerca de 40 minutos depois. Deixei arrefecer e provei. Ficou um bolo consistente, muito saboroso e com um interior quase húmido, que desapareceu num ápice.

Esta laranja azeda transformada em compota e em bolo deixou-me a pensar que afinal a Lei de Lavoisier, no campo da culinária, precisa de uma revisão. É verdade que tudo se transforma e nada se perde. Mas no processo de transformação criam-se umas belas obras culinárias!

Bolo de chocolate em Sol Maior

Confesso que a minha aptidão para a música tem sido sempre constante desde que me conheço. A minha carreira musical resumiu-se à Educação Musical obrigatória no então Ciclo Preparatório e desde aí que o meu destino musical ficou traçado. Traçado, literalmente, ou melhor ainda, riscado, da possível lista de caminhos a seguir na vida. O meu sensível ouvido, que não suporta altas frequências nem baixas, que rejeita os sons de mais alta amplitude, revelou-se afinal um insensível se fosse para distinguir o Dó do Ré. Hoje em dia é lugar comum culpar os professores pelo insucesso dos alunos, mas não foi o meu caso. O meus professor de Educação Musical era competente, simpático, pedagógico e ciente das capacidades dos seus alunos. E sempre pronto a dar o seu feedback sobre o intelecto musical de cada alma cuja voz vibrava naquela sala de aula. Vibrava ou desafinava, como ele um dia notou: “estiveram todos afinados e no timing certo, excepto uma menina, que está lá atrás…”. disse ele num tom leve e disfarçando um sorriso. Pois esta “menina”, no alto dos seus 10 anos, sorriu, tentando disfarçar o escarlate que inundara as suas faces, e pensou qualquer coisa que agora já não me lembro. Talvez quanto tempo faltasse para acabar aquela aula. Ou que, apesar de desafinar, até achava graça àquelas aulas interactivas onde se podiam libertar as energias acumuladas através da voz sem ser mandado calar. Ou então, que era verdade, que o Professor tinha razão.  Mas eu adoro música. Ouvir um bom som pode operar milagres em mim. Há pouco tempo constatei que o meu ouvido continua insensível ao Dó e ao Ré, quando o meu marido reparou que os meus cantores favoritos têm letras profundas e tons monocórdicos. Bom, mas há quem tenha uma carreira musical mais preenchida que a minha. É o caso da minha cunhada, cuja professora de música, além de tocar piano, também detém uma excelente receita de um bolo de chocolate. Receita que agora partilho com a blogosfera em alto e bom som: são 300 g de chocolate que se derretem em 300 g de manteiga ou margarina; a 200 g de açúcar, juntam-se 5 ovos, 150 g de farinha, uma pitada de fermento e uma colher de sopa de amêndoa moída. Mexe-se tudo até obter uma mistura monocórdica de chocolate e, para dar outros sons a esta composição, esta Professora junta um Ré de canela, um Mi de noz moscada e um Fá de cravinho. Mas até aqui a minha preferência pelos tons monocórdicos se manifestou e mantive-me pelo Dó do chocolate. Bom, confesso, juntei alguns pózinhos de canela. E a medo, um cheiro de noz moscada, mas com o cravinho não me deram música. E confirmei, mais uma vez, a minha insensibilidade em distinguir o Dó do Ré, pois para além do chocolate, nada mais fazia falta naquele bolo…

(que foi a forno aquecido a 175 graus por 20 minutos e que não se quer que coza em demasia – o palito não deve vir seco)

Bolo de chocolate zen

A minha sogra está de visita à familia. Têm sido uns dias muito zen. Tenho feito muitos exercícios de yoga. Especialmente os exercicios de respiração. Breathe in … conta até 10, vai até ao zen… breathe out. Mas o yoga é circunstancial e não tem qualquer relação com a visita da minha sogra. Ela é tão simpática que, conhecendo o meu gosto por cozinhar, compilou algumas das suas receitas favoritas, encadernou-as e ofereceu-mas. A última das receitas da lista era um bolo de chocolate, que calhou que nem ginjas, pois andava na senda de um bolo de chocolate. Já com a pequenina a dormir, a sogra no sofá a ver televisão e o marido a ler, dirigi-me silenciosamente à cozinha e fechei a porta de mansinho. Peguei na receita. O título era algo como bolo de chocolate fácil. Reuni os ingredientes: 100 gr de chocolate negro 70%, 100 gr de manteiga (pus 80gr), 100 gr de amêndoa moída (usei avelã moída) 100 gr de açúcar (pus 50 de açúcar castanho e 30 de açúcar branco), 2 ovos, uma colher de sopa de farinha, uma colher de sopa de açúcar baunilhado e uma colher de chá de fermento para bolos. Derreti o chocolate com a manteiga em banho maria e entretanto misturei os ingredientes secos. Quando o chocolate derreteu totalmente, juntei-o aos ingredientes secos e mexi bem. Juntei um ovo, mexi até  estar completamente misturado com a massa e só entao juntei o outro ovo, voltando a mexer até misturar. Forrei uma forma de 18 cm com papel e foi ao forno a 160 graus por 20 minutos. Quando tirei do forno, ainda não estava completamente cozido por dentro, e é assim que se quer. Tentar deixar arrefecer foi a tarefa difícil na confecção do bolo. Quando retirei da forma, a minha sogra entrou na cozinha, seguida do meu marido, e perguntaram se estava a fazer um bolo. Nao precisaram de ouvir a resposta óbvia e dirigimo-nos à mesa sem grandes comentários, mas todos embalados na mesma onda energética do bolo. A receita dizia para servir o bolo polvilhado de açúcar em pó e, caso fosse Natal, para servir com um Porto. Ontem não foi Natal mas podia ter sido, entao tirei o Porto do armário e servi mais um cálice à minha sogra. Rejeitámos o açúcar por cima do bolo e comemos sem reservas nem tabus este bolo simples e delicioso que, combinado com o Porto, produz um momento de puro zen! Tão zen, que disse ao meu marido: “amanhã faço o mesmo bolo mas com os ingredientes a dobrar!”, ao que ele respondeu: “porque é que não fazes antes o teu melhor bolo do mundo?”. Um pedido destes é irrecusável, então esta noite fiz o meu tal melhor bolo do mundo e outro de chocolate. Mas estas são as cenas dos próximos capítulos…

Sai uma fatia de bolo de ameixa para a Moira!…

Há uns meses, num comentário aqui na Prússia, a Moira deixou um pedido no ar: se por acaso saberia de uma receita germânica de bolo de ameixa. Esta receita ficou em stand-by até vir a época das ameixas. Perguntei ao meu marido como é que era o bolo de ameixas da avó dele. E ele disse que era um bolo flat. Este bolo é muito bom, mas eu queria algo mais. Queria numa dentada descobrir diferentes texturas, diferentes sabores e diferentes consistências. Queria um bolo com relevo e estrutura. E quis o destino que, há uns dias, fosse almoçar com uma colega minha com quem nunca calhou almoçar. E voltou o destino a pregar das suas ao descobrirmos que em comum temos o facto de cozinharmos para mandar o stress a outra freguesia. Para espanto da nossa outra colega, que não compreendeu as faculdades terapêuticas que se escondem no sovar da massa do pão ou em pegar uma faca bem afiada e cortar um belo presunto. Depois de partilharmos uns truques e dicas sobre culinária, ou melhor, depois de ela me dizer alguns dos seus truques, saíu-me espontaneamente a pergunta do bolo de ameixa. “Claro!”, replicou, “fazes uma massa base, vai ao forno, dispões as ameixas, vai ao forno, fazes um creme com limão, vai ao forno, fazes um crumble, vai ao forno”. Isto intercalado com as medidas em grama, ditas com proficiência. Obviamente não consegui armazenar na minha memória de curta duração todas as quantidades. Seleccionei a sequência do processo, os ingredientes e a receita do creme, usei uma receita de massa base da minha sogra e para o crumble, usei uma receita da Nigella.

Liguei o forno a 180 graus. Untei uma forma pequena e comecei a fazer a massa base: juntei 100 gr. de farinha a 50 gr. de manteiga, juntei um ovo, 35 gr. de açúcar e um pozinho de fermento. A máquina bateu a massa até ela se despregar das paredes da tigela. forrei a forma totalmente com esta massa. Levei ao forno por 5 minutos (até a camada superior ficar levemente cozida). Entretanto, descasquei, cortei a meio e descarocei meio quilo de ameixas Prunus domestica subsp. domestica, Dispu-las por cima da massa e levei novamente ao forno até as ameixas mirrarem e libertarem o seu sumo para a massa (cerca de 12 min.). Entretanto, bati uma embalagem de crème fraîsche com 80 gr. de açúcar. Juntei 2 ovos e bati até homogeneizar. Juntei raspa de um limão e sumo de uma sua metade.  Quando a mistura ficou homogénea, dispu-la por cima das ameixas mirradinhas. O bolo em preparação voltou ao forno enquanto fiz um crumble que ficou com a consistência de areia: 100 gr. de farinha, 50 gr. de manteiga, 50 gr. de açúcar mascavado, 10 gr. de açúcar baunilhado e uma colher de café de fermento. A receita pedia bicarbonato de sódio, em 1/4 da quantidade do fermento, mas não tinha. Misturei tudo e atingiu uma consistência de areia. Da porta do forno vislumbrei um tom levemente dourado no creme: era hora de por o crumble. Ao tirar o bolo do forno, reparei que tremia como gelatina e pensei que esta era mais um dos meus desastres culinários de fim de semana, prometendo a mim mesma não me voltar a fiar na memória quando se trata de apreender uma receita nova. Mas como tudo o que começa, tem que acabar, dispus o crumble e pensei que haveria de ser a única em casa a comer deste bolo cujo destino tracei negro. Quando o crumble ficou dourado, retirei do forno, deixei arrefecer e desenformei. “Uau!” disse o meu marido, logo seguido da minha filha, que acrescentou: “bôlhô! bôlhô!”. Repartimos e, ao partir o bolo, pensei: “que desgraça, está a desfazer-se!… mais um bolo que iria para o gato se o houvesse!”. A massa base ficou demasiado dura e a massa de recheio demasiado mole. Enquanto comemos, eu e o meu marido falávamos sobre o que poderia ter falhado, de que ingrediente me poderia ter esquecido, que passo na receita saltei ou adulterei… O bolo foi para o frigorífico e aí ficou esquecido. Até ao outro dia, quando reparei que o frio lhe conferiu rigidez. Cortei uma fatia e ahh… agora sim! A massa de base absorveu o líquido e a massa de recheio ganhou forma! E o frio enriqueceu o sabor do bolo! Ficou mesmo bom, e como foi um bolo que se tornou bom pelas baixas temperaturas, com ele participo no novo desafio do Delícias e Talentos, Delícias Geladas (e adiei assim a inevitável confecção do meu primeiro gelado! 😉 )

Notas ao leitor: 1) deixe o bolo no frigorífico, idealmente de um dia para o outro; 2) a forma de 18 cm ficou cheia até ao último milimetro. Use uma maior e forre as paredes das formas apenas a meia altura.