Chucrute sem salsicha

Eu confesso: o título que eu queria dar a este post era “restos de couve fermentada”, mas depois pensei que poderia causar náuseas ao leitor mais sensível e eu não quero que os meus queridos leitores padeçam de qualquer maleita por visitarem o Reino da Prússia. Depois pensei num título como “bulgur em arte de risotto, com calda de chucrute e aroma de zimbro”. Mas… não este título não faz a minha praia. Depois, inspirada no blogue da Fer, dei então o título a este prato que reciclou o caldo de uma refeição de chucrute, não com salsicha, mas com algo como costeletas de porco fumadas. Esta receita é do meu marido e eu confesso que ele teve que fazê-la várias vezes até eu saltar a barreira psicológica de comer couve fermentada. Bom, na verdade, teve que dizer-me que esta couve fermentada, sauerkraut, em português, é chucrute. A provar que os rótulos importam nos complexos esquemas de selecção do cérebro humano.

O meu marido cozinhou o chucrute como a receita dita (bom, quase!) e o seu caldo tão aromático iria para o lixo se eu não tivesse ouvido um apelo, um chamamento ou uma voz do além a dizer “risooootto… riiiiiiiisotto!”. Bom, mas o risotto não estava no meu armário. Então tirei o pacote de bulgur e cozinhei-o como risotto. Fritei uma cebola e um dente de alho em azeite e, ao saltitarem, juntei uma medida de bulgur, mexi e juntei uma colher de concha do caldo de chucrute a ferver. Juntei meia dúzia de bagas de zimbro e deixei que o bulgur absorvesse o caldo. Repeti o processo até que o bulgur absorvesse as duas medidas de caldo e, com a última dose, juntei um frasco de espargos em conserva. Mexi, desliguei o bico do fogão, juntei um queijo feta desfeito, pimenta e um pouco de tomilho e salsa.

Provámos o prato, provando que a reciclagem de alimentos produz pratos de grande qualidade – basta olhar para pratos tradicionais portugueses como as migas e açordas, os rissóis e pastéis de bacalhau, a roupa velha, que são deliciosos e resultam da reciclagem de outros pratos ou ingredientes.

Com este prato, participo no desafio do Delícias e Talentos, desafio de culinária reciclada. Considero este desafio de grande valor, porque a reciclagem de alimentos diminui o consumo desnecessário de alimentos, poupando a natureza e a carteira. Como omnívora, tenho um grande respeito pelos alimentos, diria mesmo um respeito “divino”. E já que para sobrevivermos temos que nos alimentar de outras vidas, que o façamos com respeito e utilizemos os ingredientes até ao seu tutano. Quando deitamos comida ao lixo, na perspectiva ambiental e económica, estamos a estimular a economia alimentar de grande escala, que é extremamente poluente em várias vertentes:  no uso desenfreado da terra com produções intensivas de monocultura, no abuso de pesticidas, no tratamento e embalamento desnecessários… e estamos a gastar mais dinheiro; na perspectiva humana, acho que deitar comida fora é uma falta de respeito por aqueles que não a têm. Eu sei que as sobras do meu jantar não vão matar a fome de quem a realmente tem, mas com a atitude “reciclagem” em mente, o saldo “comida” torna-se mais positivo e, quem sabe se a comida que nós não comprámos numa grande cadeia de supermercados, não irá parar às mãos de alguém com fome? (se bem que há comida suficiente no mundo para não haver fome, simplesmente está mal distribuída). E a “grande cadeia de supermercado” leva-me a outro ponto de extrema importância – felizmente, hoje, damos mais valor ao comércio tradicional e aos produtos regionais e sazonais, de preferência da horta. Espero que a ideia de hortas e quintas comunitárias cresça entre os habitantes das cidades ao ponto de fazer impacto na nossa vida do dia a dia.

Por isso, caro leitor, se quiser aumentar a sua qualidade de vida, opte por reciclar as sobras dos seus alimentos, opte pelo comércio tradicional bem como pelos produtos regionais e sazonais e, caso não tenha acesso a produtos hortícolas directamente do produtor, informe-se sobre as hortas comunitárias. Apanha três coelhos com uma cajadada: gasta menos, polui menos e aumenta o contacto com a natureza e com a sua vizinhança.

nota: visite a tag reciclagem e migas e açordas para ver outras refeições que fiz a partir de anteriores.

12 thoughts on “Chucrute sem salsicha

  1. Nem chucrute, nem bulgur, nunca provei nada disso mas couve fermentada não me faz impressão nenhuma. Afinal, a penicilina também surgiu do bolor e se este chucrute for como o blog da Fer… constitui uma verdadeira cura 😉

    • Ah ah ah! Ameixinha, o teu humor tambem e uma bela cura! 😉
      Has-de provar bulgur, e muito bom. (quase) que destronou o risotto aqui em casa.
      beijinhos
      Sofia

  2. Sábias palavras Cara Sofia!
    Reconheço aqui uma autora de blog de grande consciência. Fico muito grata pela partilha de pensamentos relacionados com o respeito pelos animais, com o respeito pelos alimentos em geral.
    Não podiamos estar mais de acordo.

    Quanto à couve fermentada conheço bem. Fermento-a cá em casa assim como outras conservas fermentadas, ver este post aqui (se estiveres interessada):

    http://publicarparapartilhar.blogspot.com/2008/11/conservas-sem-vinagre.html

    Como vês lá no meu reino também somos pessoas com hábitos alimentares esquisitos, ah ah ah. Compreendo a tua relutância em escolheres alguns títulos menos apelativos ao público em geral.

    Para terminar, digo-te que gostei imenso da ideia do bulgur com chucrute. O queijo feta é a “cereja no topo do bolo”. Adoro sabores exóticos!
    Sou fã de chucrute com salsicha vegetariana e batata frita :))
    Beijinhos,
    Rute

    • Rute,
      Obrigada pelo link! Na verdade, queria experimentar fazer conserva de beterraba e hei-de usar a tua receita de beterraba fermentada! 🙂
      Acho que e nossa obrigacao alertar a nova geracao que a natureza tambem esgota e que, para comer, nao basta ir ao supermercado buscar caixinhas plasticas com pernas de frango.
      Beijinhos
      Sofia

  3. Sofia,
    Foi um bom aproveitamento e que imaginativo! Fiquei já com o apontamento de um risoto de bulgur. A reciclagem de alimentos é uma mais valia quer ao nível do nosso pequeno mundo (leia-se: casa), quer ao nível de uma escala mundial. Poupamos na carteira e poupamos o ambiente.
    Beijinhos

    • Carla
      Nem mais! precisamos mesmo parar para pensar o que andamos a fazer com a natureza. E tudo pode comecar na nossa cozinha. Ainda mais importante, e preciso alertar a nova geracao para a mentalidade dos 3 Rs.
      beijinhos
      Sofia

    • Sandra,
      A primeira vez que o meu marido trouxe, nao comi. Da segunda provei, armada em esquisita, quase de nariz tapado. A terceira, ele trouxe so para ele, e ai eu voltei a provar e ate gostei! 😉
      Beijinhos!
      Sofia

  4. Sofia, adorei saber que seu marido fez a receita do Chucrute, quase tal e qual a da minha mãe! 🙂

    Mas coincidências, ontem fiz Chucrute em casa. Foi um evento, porque essa comida nunca foi, nem nunca será a minha favorita.

    Seguro também essa sua bandeira–reusar, reciclar, consumir local, sazonal, orgânico, eteceterá, eteceterá.

    um beijo!

    • Oi Fer,
      Esta receita e muito comum por aqui no Inverno. Tambem e comum carne fermentada, mas essa nunca provei! 😉
      Tambem esta muito longe de ser o meu prato favorito, mas hoje como de vez em quando. E a verdade e que o bulgur com o caldo de chucrute ficou mesmo saboroso! 😉
      Beijinhos
      Sofia

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